A relativa autonomia dos militares, enquanto grupo social dentro dos Estados e das sociedades contemporâneas, foi definida pelas Ciências Sociais recorrendo a diferentes abordagens, metodologias e categorias analíticas. A existência de identidades, organizações e sociabilidades particulares não constitui uma característica exclusiva dos militares como grupo. No entanto, os membros das Forças Armadas foram reconhecidos como atores sociais com lógicas e práticas socioculturais marcadamente singulares e diferenciadas de outros grupos que integram as sociedades das quais fazem parte e têm a missão de defender. Seguindo a proposta do livro, neste capítulo propõe-se analisar características relevantes das culturas militares na Argentina desde o século XIX até o início do século XXI, explorando a utilidade hermenêutica do conceito de quase-etnicidade, isto é, compreendendo os militares como quase-grupos étnicos ou étnico-nacionais. Focaremos em particular o Exército (força de terra) por ser a força de maior magnitude, espalhada por todo o território e de incidência mais forte na política nacional ao longo de sua história. Para adotar este conceito, faz-se necessário definir ao menos duas questões: uma de caráter teórico-metodológico e outra substantiva. Primeira questão: compartilhamos com Daniel Zirker sua crítica a concepções primordialistas e instrumentalistas da etnicidade. Portanto, assumimos também a necessidade de indagar no estudo das identidades étnico-nacionais levando em conta, simultaneamente, suas dimensões culturais e as lutas políticas travadas por atores sociais específicos em torno da produção de sentidos socialmente legítimos da nação e do nacionalismo. Por conseguinte, optamos por utilizar uma noção e usos construtivistas da etnicidade dos grupos étnicos ou étnico-nacionais. Segunda questão: entendemos que desde o final do século XIX o processo de construção do Estado-nação na Argentina foi relativamente bem-sucedido, pois as elites dirigentes conseguiram produzir e atualizar suas pretensões de conformar uma identidade nacional que compreendeu praticamente a totalidade de sua população. Portanto, nem naquele extenso período, nem na atualidade se constituíram ou manifestaram grupos sociais significativos, residentes no país, que conseguissem consagrar identidades étnico-nacionais alternativas. Esta última afirmação deve ser compreendida considerando que, por um lado, o nation building argentino no século XIX estava longe de ser um processo livre de violência, pois passou por uma sangrenta etapa de guerras civis e de subjugação das sociedades indígenas das regiões de Pampa, Patagonia e do Chaco e, por outro lado, os sentidos da nação argentina e do nacionalismo foram e/ou são objeto de disputa entre diferentes grupos; em outras palavras, seu conteúdo reconhece sentidos amplamente compartilhados, mas também diferenças. Por último, setores dirigentes ou outros grupos da sociedade perceberam e/ou percebem a emergência de ameaças externas ou internas operando contra a nação, seja aquelas associadas com a presença massiva de população europeia imigrante entre fins do século XIX e início do século XX, como o comunismo ou outras identidades políticas locais tidas por subversivas ou revolucionárias como o peronismo durante o período da Guerra Fria, ou como os imigrantes de países vizinhos, o crime organizado (em especial o narcotráfico) e o terrorismo no contexto da globalização na virada do século XX para o século XXI. Ao longo do capítulo, desenvolvemos nossos argumentos servindo-nos do diálogo com estudos de outros cientistas sociais (historiadores, sociólogos, cientistas políticos e antropólogos) que analisaram os temas militares na Argentina dos séculos XIX, XX e XXI, recorrendo também a investigações históricas e etnográficas próprias que efetuamos sobre as Forças Armadas para o período compreendido entre o ano de 1983 e o presente.