Estudar a trajetória intelectual e política de Lídia Besouchet foi uma escolha determinada, principalmente, pela curiosidade. Havia uma curiosidade histórica posta de antemão que indicava o enorme potencial de descoberta que a vida da escritora reservava para a compreensão de mais um elo de um período da nossa história, marcado por intensas transformações tanto no campo político, quanto no campo artístico. Em princípios do século XX, em especial na década de 1930, o engajamento cultural praticamente se fundiu ao engajamento político e vários artistas e intelectuais quase não conceberam um sem o outro e, quando não se envolviam por ímpeto próprio, eram impelidos a tomarem posicionamento. O momento era de constante tensão e crise para os grupos comprometidos com atividades de esquerda, sobretudo após ser decretada por Getúlio Vargas a ditadura do Estado Novo, que perseguiu, vigiou, prendeu, torturou e exilou muitos dos intelectuais que resistiram, aberta ou discretamente, ao crescente autoritarismo do novo regime. Lídia Besouchet fazia parte deste contexto e atuou neste universo de conflitos sociais e políticos não apenas como literata simpatizante das ideias revolucionárias, mas também como membro do Partido Comunista, tornando-se mais tarde adepta da dissidência trotskista. Vivendo uma situação insustentável de perseguição, Lídia, juntamente com seu marido Newton Freitas (intelectual, dramaturgo, ensaísta, periodista), partiu para o exílio de onde só retornou, definitivamente, após quatro décadas. E é justamente sobre o período em que viveu exilada na Argentina, de 1938 a 1948, que a presente pesquisa se debruça, uma vez que foi a partir dessa experiência que Lídia Besouchet intensificou e aprimorou seu talento literário e pôde participar ativamente das trocas intelectuais promovidas pela importante circulação de artistas e demais interlocutores que movimentaram o cenário da cidade de Buenos Aires nos anos 1930 até meados de 1940, intercambiando propostas culturais, políticas e mesmo identitárias entre o Brasil, a Argentina e outras partes do mundo. Sua atuação como mediadora política e cultural começou a se forjar em meio a tal conjuntura, quando então publicou livros por editoras argentinas e escreveu artigos ensaísticos voltados para a divulgação da produção literária brasileira na imprensa portenha. Além desses instrumentos mediadores, Lídia ainda exerceu a função de tradutora de obras em língua espanhola para o português e manteve durante toda a vida uma ampla teia de contatos sustentada pela troca de correspondências com diversos intelectuais do mundo cultural ibero-americano. Assim, a posição que Lídia Besouchet ocupou no exílio platino, o lugar de onde falou, suas aspirações e sua maneira de comunicar dois mundos diferentes são referências cruciais para entender os aspectos que cercaram o seu papel como mediadora política e cultural no período em que viveu na Argentina. Dessa maneira, conceitos como o de mediações culturais e circulação de ideias são caros à leitura aqui realizada. Vê-se, dessa forma, que as coordenadas teórico-conceituais que guiam este trabalho podem contribuir para uma reflexão específica do conceito de “circulação”, já que parte de uma trajetória individual para traçar paralelos de ordem mais ampla referentes às dinâmicas de intercâmbio de indivíduos, grupos e sociedades com as ideias em circulação no mundo cultural latino-americano.