Às vezes a convicção sobre a realidade consuma-se num de repente prosaico. Na porta da padaria, por exemplo. Havia participado, na noite anterior, de um encontro com adultos alfabetizandos num projeto do Tribunal do Trabalho da 3ª Região destinado a dar-lhes a conhecer o direito e o processo do trabalho. A maioria eram mulheres. A totalidade delas eram empregadas domésticas. Na porta da padaria, cedinho, estava com a cabeça abaixada quando ouvi uma voz leve, silenciada, um sopro quase: “Estava lá ontem”. Custei um pouco a identificar este lugar onde estivera junto com aquela pessoa, que continuou: “Tinha muitas coisas a perguntar, mas preferi ficar calada”. O que ela tinha a perguntar ligava-se à grande disparidade entre o empregado urbano e o empregado doméstico, ao qual não se atribui, por exemplo, qualquer garantia quanto à limitação da jornada de trabalho. Por isto, elas podem servir o café da manhã às 6h e o jantar às 22h e cuidar para que tudo esteja a contento antes e depois de fazê-lo e se retirar para o pequeno quarto que lhes é destinado. Como se vivessem a melhor vida. A que merece ser vivida.
(Párrafo extraído del texto a modo de resumen)