A cidade de Porto Alegre, ao sul do Brasil, tem o seu sítio histórico em formato de península, cujo desenvolvimento se deu ao longo do lago Guaíba, acrescentando inúmeros aterros sobre a água. Por longos anos, o lago teve papel fundamental na estruturação da cidade, até o momento em que recebeu um muro que a protege de enchentes. Essa proteção altera a relação da cidade com seu lago, construindo uma lógica inversa – a cidade dá costas à sua origem e, portanto, nega o lago. Esta discussão perpassa o debate contemporâneo em diferentes níveis, mas concentra nos processos de “esvaziamento” e, pelo seu contraponto, de possíveis ocupações que possam vir a resgatar a dinâmica do lugar. Se o muro aparta a cidade do lago, por outro lado, cria um espaço “vazio” que serve de especulação sobre seu possível destino (SANCHEZ, 2003). Este artigo enfrenta este debate a partir de uma visão teórica do espaço urbano como um território em conflito e, como tal, propõe uma leitura a partir de um pensamento por cenários (SECCHI, 2006; REYES, 2014). O pensamento por cenários faz uma leitura do espaço urbano pelos seus agenciamentos e pelas diferenças na disputa pelo território (GUATTARI, 1992). Nessa construção de sentido sobre o território, opera-se a noção de projeto de maneira aberta, reposicionando a noção de cenários como projeto utópico, na perspectiva das heterotopias de Foucault (2013a; 2013b). Utiliza-se como material de reflexão sobre a área estudos teóricos sobre o projeto desenvolvido em nível de pós-graduação e suas relações com o campo da filosofia; experiências de ensino que promovam especulações sobre o espaço urbano a partir do projeto; bem como, análises de projetos acadêmicos já desenvolvidos, na qual se especula maneiras de olhar esta complexa relação da cidade com o lago. O artigo se estrutura a partir de três segmentos, além das considerações iniciais e finais: no primeiro, o problema é posto a partir de uma descrição histórica da estruturação de Porto Alegre no que concerne a sua relação com o Lago Guaiba, apresentando a construção dos sucessivos aterros e as decorrentes enchentes; no segundo, se faz uma reflexão crítica sobre a possível ocupação da área portuária e a exclusão do muro pela perspectiva de alternativas de projeto; por fim, na terceira parte, apresenta-se uma reflexão sobre o que significa o projeto urbano, suas limitações e potencialidades a fim de incluir as diferenças sociais no debate sobre a área. Este texto faz uma síntese do pensamento sobre a cidade em diferentes escalas – urbano e arquitetônico – a partir do aporte reflexivo oriundo das pesquisas dos respectivos autores.