Raymond Aron inicia o Capítulo 1 de Paz e guerra entre as nações citando a célebre definição de Clausewitz, segundo a qual “a guerra é um ato de violência destinado a obrigar o adversário a realizar nossa vontade”, tomando-a como o “ponto de partida para este estudo”. Embora Aron advirta, em seguida, que “esta dialética da luta é puramente abstrata e não se aplica às guerras reais”, a definição clausewitziana, repetida à exaustão, provocaria inúmeros mal-entendidos. Não obstante esses mal-entendidos subsistam, em sua maioria, à revelia da obra de Aron e tributáveis a intérpretes belicitas e a duzentos anos de guerras totais, Paz e guerra não passará incólume a eles. De fato, em suas Memórias, ao comentar Paz e guerra, Aron registrará que “Clausewitz trouxe-lhe a idéia germinal de toda teoria das relações interestatais”, a “alternância da paz e da guerra, a complementaridade da diplomacia e estratégia”, etc. Trata-se, porém, de um Clausewitz incompleto. Não surpreende, portanto, que não haja aí menção à definição trinitária da guerra, única que contempla a infinita diversidade das guerras reais. As insuficiências e incorreções na compreensão da teoria clausewitziana da guerra levarão Aron a debruçar-se sobre a sua obra nos anos dos 70. Clausewitz escreveu sob o impacto da Revolução Francesa, das guerras napoleônicas e da emergência do povo na guerra. É sob o impacto das guerras totais do século XX que Aron escrevera a sua obra. É o espectro da guerra absoluta a assombrar a Europa e o mundo. A compreensão da alternância da guerra e da paz exige, portanto, que exorcizemos esse espectro.