O ano era 1981 quando Jean-Pierre Vernant e seu companheiro, Pierre Vidal-Naquet, lançavam um livro em que reuniam artigos, que se tornou um marco na historiografia sobre a Grécia Clássica e mais especificamente sobre os estudos da Tragédia Grega. A verve ensaísta, bem à moda filosófica de Vernant, acabou por cunhar termos que se tornaram canônicos e amplamente discutidos nos trabalhos que o sucederam; refiro-me à ideia de sujeito trágico. A contribuição de Vernant foi enorme, pois insistia na ideia de que quando o gênero trágico se constituiu o universo mental que o subjazia já havia se estabelecido. Vernant tentava mostrar que a constituição de um fenômeno social novo como o teatro necessitava de uma nova postura dos receptores, da audiência ateniense. O universo espiritual que permitiu a instauração do ficcional do teatro fez com que o gênero trágico florescesse e que seus signos fossem inteligíveis. Com a tragédia surgia a consciência trágicaNos últimos anos, embora os trabalhos de Vernant e Naquet tenham deixado marcas indeléveis na historiografia sobre o tema, os estudos tomaram caminhos mais profundamente engajados em tendências antropológicas, sobretudo a norte-americana, nos estudos concernentes à performance. Há hoje uma querela bastante produtiva na academia. De um lado temos aqueles que defendem a ideia de que a tragédia está, ainda no século V a.C., inscrita naquilo que poderíamos chamar de um desempenho ritualístico religioso. Noutra ponta temos aqueles que acham a relação entre o dionisismo e a tragédia algo casual, portanto, sem ligações substanciais entre a religião e o teatro. Entre tais antípodas temos posições de vários matizes e argumentos convincentes. Esta parte da do trabalho tem como objetivo posicionar minha abordagem, eminentemente atrelada à noção de poder simbólico, em relação à antropologia da performance e dos rituais que tanto influenciam os helenistas.